À frente do programa de afiliados da
Anahp, cujo objetivo é elevar a qualidade assistencial, Balestrin
combate a desorganização e a imaturidade da gestão hospitalar.
Ainda estudante de Medicina, o presidente do conselho da Associação
Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, trocou a
especialização clínica pela administração hospitalar pois, para ele, o
grande problema da Saúde brasileira estava nas estruturas. Hoje, à
frente do programa de afiliados da associação, cujo objetivo é elevar a
qualidade assistencial, ele combate, justamente, esta questão: a
desorganização e a imaturidade da gestão hospitalar.
Um dos principais desafios das instituições hospitalares ao implantar
um processo de acreditação é o custo que isto acarreta. Talvez por isso
apenas 200, dos 6,3 mil hospitais brasileiros, são acreditados.
“As
organizações nacionais e a gestão hospitalar ainda são muito
incipientes. As instituições são pouco organizadas, com um desperdício
muito grande e, muitas vezes, sem foco na qualidade e na assistência”
afirma o presidente do conselho da Anahp, Francisco Balestrin, que para
reverter esse cenário trabalha em um novo programa de incentivo à
conquista de um selo de qualidade.
Balestrin ataca justamente as estruturas, o que para ele é o grande
problema da saúde brasileira. Ainda durante o curso de medicina, o
executivo diagnosticou que as dificuldades de atendimento à saúde no
País decorriam menos da atenção individual médico-paciente e eram mais
estruturais. Assim, percorreu precocemente o caminho administrativo e
hoje apresenta propostas para ocupar um espaço estratégico de apoio à
sociedade no sentido de encontrar uma saúde melhor.
Bem receptivo, Balestrin recebeu a Revista FH na sede da Anahp, em
São Paulo. Veja os principais trechos da entrevista, a seguir.
Quem
• Médico com residência em Administração em Saúde no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
• Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP.
• Especialista em Administração Hospitalar pelo PROAHSA, da Escola de Administração de Empresas da FGV.
• Título de especialista em Administração em Saúde pela Associação
Médica Brasileira – AMB e membro da Academia Brasileira de
Administração Hospitalar – ABAH.
• Possui MBA em Gestão de Planos de Saúde
O que faz
• Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP)
• Presidente do Conselho Nacional de Gestão em Saúde da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares (FBAH)
• Vice-presidente da Rede VITA de Hospitais (Curitiba-PR e Volta Redonda- RJ)
Revista FH: A Anahp está com um novo programa de incentivo às acreditações dos hospitais. Conte um pouco sobre esta iniciativa.
Francisco Balestrin: Há alguns anos temos dentro da
Anahp um modelo de gestão que é baseado em Governança Corporativa. Como
resultado disso, em 2012 fizemos um grande trabalho de planejamento e
definimos um conjunto de 15 marcos estratégicos. Conectado a isso,
pensamos a abertura de um novo programa, onde a Anahp passa a ter os
hospitais membros associados e os hospitais afiliados.
FH: Qual a diferença entre eles?
Balestrin: A diferença é que todos os hospitais
precisam ter quatro características em comum para serem afiliados: serem
privados com ou sem fins lucrativos; estarem inseridos no mercado da
saúde suplementar brasileira; não ligados à operadora de saúde direta
nem indiretamente; e, por fim, o mais importante e que mais elimina
pretendentes, serem acreditados.
Só que o número de instituições no Brasil com todas essas
características é pequeno, por isso achamos que deveríamos incentivar as
instituições a entrarem na Anahp para conseguirem essas qualidades. Os
hospitais afiliados agora terão de ter as três primeiras características
citadas, mas não precisam ter acreditação. Na medida em que estiverem
conosco serão incentivados a fazerem acreditação e a virarem nossos
associados, tudo isso num prazo de quatro anos. Durante este período,
eles poderão frequentar nossos seminários e grupos de trabalho, além de
participar de todos os nossos projetos.
FH: Um dos principais desafios das instituições hospitalares
ao implantar um processo de acreditação é o custo que isto acarreta.
Como a Anahp ajudará neste aspecto?
Balestrin: Os hospitais brasileiros e a gestão
hospitalar ainda são muito incipientes. As instituições
são pouco
organizadas, com um desperdício muito grande e, muitas vezes, sem foco
na qualidade e na assistência social. Elas não têm claramente qual é a
missão institucional dos hospitais brasileiros.
Não estou fazendo
crítica, mas sim um diagnóstico. Montamos hospitais públicos ou privados
para atender um conjunto de usuários ou muitas vezes para cumprir uma
tradição circular. No caso público para atender necessidades
hospitalares, ou no caso de instituições filantrópicas de atender uma
visão institucional altruística. Assim, se acha que o altruísmo, que
está na base de tudo, é o suficiente para se prover assistência de
qualidade. O Brasil tem algo em torno de 6,3 mil hospitais e apenas
cerca de 200 deles acreditados. Nos Estados Unidos esse número é
praticamente 100%.
Então, imagina, quando o hospital sai de uma fase não organizada e vai
para uma acreditação ele traz para dentro dele três conteúdos. Um deles é
a organização e, cá entre nós, existe muita “droga” no nosso País, como
aqueles hospitais onde não há se quer um organograma. As coisas
funcionam como se fosse uma feira livre. São instituições que não seguem
as mínimas regulamentações existentes para estrutura hospitalar, para
trabalho, não conhecem o formato que as instituições têm de ter. São
entidades absolutamente focadas mais na entropia, que é exatamente o
caminho da desorganização.
Os outros conteúdos englobam a abertura de um departamento e o mínimo de
visão estratégica, de visão institucional, além de passar a conhecer
melhor os seus processos. Elas passam a ter rotinas organizacionais e
protocolos. Você sai de uma estrutura parecida com uma feira livre e vai
para uma estrutura de hipermercado. Esse percurso é interessante. Você
pega uma instituição incipiente e a transforma numa instituição
competente. Essa competência lá no final tem que arredondar em três
ações: na qualidade assistencial, na segurança do paciente e na
sustentabilidade, principalmente na sustentabilidade
econômico-financeira. Se ela não conseguir isso, nada vai acontecer.
FH: O que fazer para mudar este cenário?
Balestrin: O Brasil deveria estar quebrando facas para
que todas as instituições fossem acreditadas. Quem mais precisa de
acreditação no País são aqueles que menos vejo trabalhando para isso,
que são os hospitais públicos. Ninguém vê um incentivo do governo
federal para melhorar a qualidade dos seus hospitais, ouve-se apenas
falar em dinheiro. Mas recurso num ambiente desorganizado não adianta,
absolutamente, nada. Você pode até com mais recurso de um lado estar
causando mal, se a instituição for negativa do ponto de vista de
qualidade você vai causar mais dano às pessoas, porque foram aplicados
recursos que não terão retorno. Assim, a sustentabilidade do sistema
público de saúde fica comprometida, por mais dinheiro que você aplique
não terá resultado.
FH: Hoje o perfil do brasileiro mudou. Estamos diante de
doentes crônicos e do aumento de expectativa de vida da população. A
atenção hospitalar privada, cada vez mais, investe na alta
especialização e em especialidades mais caras como oncologia, neurologia
e etc. , mas dessa forma nem sempre consegue cuidar de forma integral
da saúde do paciente. Há um contrassenso?
Balestrin: Esse cenário é esperado para países
desenvolvidos ligados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico(OCDE). Hoje como nós, de alguma forma, temos ilhas de
desenvolvimento semelhante a países de primeiro mundo, também temos
essas mesmas questões. Atualmente temos um conjunto de teses: de um lado
as chamadas doenças crônicas e de outro ainda convivemos com as
chamadas doenças agudas.
Temos acompanhado um desenvolvimento do nosso País naquilo que chamamos
de envelhecimento da população, isso faz com que nos dias atuais
tenhamos um percentual alto de cidadãos acima de 60 anos. Hoje isso está
em torno de 4%, mas daqui a 20 anos isso vai dobrar, lembrando que
nossa população é de 200 milhões.
Uma parte dessa sobrevida tem a ver com assistência médica, aliás, as
principais condicionantes da saúde de um cidadão são a genética, as
condições do meio ambiente onde vive e, generalizando, assistência
médica hospitalar. O menos importante é a assistência, mas hoje ela é
definitiva, porque à medida que tenho patologia e doenças e consigo ser
restabelecido eu vou vivendo mais, por outro lado existe recurso
financeiro para sustentar isso. Na medicina suplementar é o nosso
dinheiro, o recurso das empresas que está sustentando isso. Na medicina
pública quem tem de sustentar é o governo, mas lembre-se que o governo
investe cada vez menos em saúde.
Entre os países da OCDE, o que menos investe em saúde aplica 76% de
dinheiro público, 25% é verba privada. No Brasil 60% é privado e 40% é
público. Tem cabimento num País de pobreza e diferença socioeconômico
como o nosso, o governo aplicar menos dinheiro que o setor privado?
Sendo que o privado coloca 60% para cuidar de uma população de 49
milhões de pessoas, enquanto o governo aplica 40% para cuidar de 150
milhões de pessoas. É um escárnio. É por isso que todos querem ter um
plano de saúde. Acho que o aspecto das doenças crônicas precisa ser
estudado, desenvolvido.
FH: Por um lado altos custos hospitalares, demanda por leitos
e novos usuários da Saúde Suplementar. Por outro, hospitais querendo
expandir, mas com poucas alternativas de buscar esses recursos devido à
lei que proíbe os investimentos estrangeiros em hospitais. A mudança
dessa lei transformaria este cenário? Qual é a sua visão sobre a lei
que permite a atuação do capital estrangeiro?
Balestrin: Cada vez mais precisamos de unidades de
saúde para atender à população e, mais do que isso, de espaços com
tecnologia de ponta, e no século 21 não dá para disponibilizar apenas
martelinho e estetoscópio. A instalação de um equipamento hospitalar,
sua tecnologia e depois a operação são caras. Aliás, a saúde é cara
porque além de ter a influência da inflação geral, de novas tecnologias e
fármacos, somam à inflação geral do País, a chamada inflação de saúde.
É verdade que existe uma vedação à constituição ao capital estrangeiro
na assistência à saúde, mas em 1998 saiu a Lei 9.656, que admite o
capital estrangeiro no setor de planos de saúde. É verdade também que
falta capital para aquilo que existe de sobra em outros setores, como o
de informática, aviação, hoteleiro. Esse é um componente, de fato falta
capital estrangeiro, mas isso não é fundamental, porque falta também
capital nacional no setor.
Se for pensar, o fundo de pensão de grandes estatais como a Petrobras,
investe em shopping centers, em parques temáticos, em prédios, mas não
investem em saúde. Em relação ao BNDES, existem um milhão de linhas para
financiar a área de Citrosuco e não tem nada para saúde. O dinheiro
brasileiro financia coqueteleira para hotel, mas não estetoscópio para
um hospital. Não é paradoxal?
FH: Então, qual é a fonte de recurso hoje ?
Balestrin: A única fonte de recursos hoje é o
empréstimo. E ele, muitas vezes, não dá o mesmo retorno. Muitas
instituições privadas estão em dificuldades financeiras, porque não
tiveram estímulos nem recursos de grandes investidores, e muito menos
recursos de bancos de fomento. É a história do cachorro correndo atrás
do rabo. São entidades que têm problemas e dificuldades para pagar
impostos, que ficam com a chamada ficha suja – pois não conseguem mais
levantar recurso privado nem público, assim elas definham e acabam. O
capital estrangeiro não resolverá esses problemas, pois eles querem
empresas sadias e sem isso ele não virá. Mas acho que seria bom que o
capital estrangeiro estivesse disponível para a saúde, assim como está
para outros setores.
FH: Qual a sua opinião sobre o novo programa da ANS, que testará indicadores de qualidade dentro dos hospitais privados?
Balestrin: Esse programa, o Qualiss, tem dois eixos
distintos: divulgação e indicadores. A partir do ano que vem, ou quando
estiver estabelecido, o cidadão comum vai poder identificar os melhores
hospitais. A ideia é apoderar o usuário para que ele faça escolhas
melhores para si mesmo. Com o Qualiss, ao lado do nome das instituições
poderá ter até três ícones que serão dicas para as pessoas escolherem
melhor – um será de acreditação; outros sobre a participação da
instituição no programa Notivisa, da Anvisa, que significa que os
hospitais indicam para à agência quaisquer eventos adversos; por último
um símbolo representando que a entidade tem nota acima de corte dada
pela ANS. Não vai ser só o cidadão que vai perceber isso, mas a
operadora de saúde também, pois o usuário passará a exigir o melhor para
ele. Isso vai fazer com que as próprias operadoras exijam que os
hospitais credenciados tenham uma qualidade melhor.
FH: Tem um lado negativo?
Balestrin: São dois problemas. Um deles tem a ver com a
validação das informações, porque elas são enviadas pelos hospitais,
então para validar a instituição será preciso uma auditoria para não ter
fraudes. Outro problema é que o Qualiss não é um selo de qualidade, por
isso não pode ser considerado como tal de forma alguma.
FH: Recentemente, a ANS divulgou um acordo que possibilitará
novos modelos de remuneração para a saúde suplementar. No modelo
proposto, o peso administrativo é menor, já que os itens frequentes em
uma internação passam a ser cobrados de forma agrupada. Em sua opinião,
essa resolução colocará um fim ao Fee for Service? Os hospitais estão
preparados para atender esse novo modelo?
Balestrin: Existe uma tensão no ar sobre a capacidade
que a sociedade tem de financiar o sistema de saúde brasileiro. No
privado, a tensão se aflora no instante onde as operadoras passam a
confrontar os seus custos com os hospitais e dizer: ‘nós não estamos
conseguindo pagar o que vocês estão pedindo e, consequentemente, a gente
não vai dar reajuste’. Ao mesmo tempo existe um saco de maldade já que
as operadoras, às vezes, ao invés de discutirem isso frente a frente
passam a produzir glosas, o atraso de pagamento e outras coisas. Do
outro lado, os hospitais se sentem comprimidos e também criam seu saco
de maldade em cima das operadoras, não tem nenhum bonzinho nessa
história. Assim, os hospitais também produzem coisas que não deveriam,
como o caso importante das órteses e próteses. É como colocar um nariz
de palhaço e sair por aí, porque hoje os hospitais brasileiros, por
conta de uma distorção que vem há 30 anos, têm a maior parte dos seus
faturamentos – ou dos seus recursos – oriunda da comercialização de
materiais e medicamentos, incluindo órteses e próteses. Esse modelo é de
conflito, pois exige muita auditoria, muita discussão e, mais do que
isso, não é um modelo que beneficia a meritocracia.
Com o novo modelo, queremos caminhar para um sistema onde exista menos
discussão e mais ações padronizadas, onde o mérito do atendimento e da
atenção é levado em consideração, ou seja, se passa a medir junto os
resultados econômicos- financeiros e os assistenciais.
Com isso eu digo: o Fee for service não vai sumir. Na realidade vamos
ter uma migração de uma grande parte daquilo que é Fee for Service, que é
quase 100%, para um outro tipo de visão. Mesmo com Fee for Service se
vai trabalhar com tabelas mais aprimoradas. Esperamos que esse modelo
passe a ser minoria, apenas em casos onde não se tem previsibilidade,
como um acidente. Mas para isso, as entidades precisam de sistemas de
informatização, saber como funciona seu hospital, dominar seu corpo
clínico, ter gestão clínica. E, claro, os hospitais não têm condições
hoje de fazer isso, infelizmente.
FH: Quando esse novo modelo deve começar a funcionar?
Balestrin: Em 2014, vamos testar esse modelo num
projeto piloto para ver se ele vai funcionar. Vamos fazer pareamentos
entre hospitais ligados a prestadores de serviço de saúde e de outras
operadoras. E vamos fazer o mesmo tipo de cobrança concomitantemente.
Enquanto isso, esperamos que os hospitais brasileiros prossigam nesse
processo de medir o que fazem, de estruturação. Porque, senão, daqui um
ano eles terão dificuldades de estar inseridos nesse modelo de
remuneração.
FH: O que fez com que você escolhesse trilhar o caminho da administração em saúde?
Balestrin: Foi uma vocação de gestão. Durante meu curso
de medicina aprendi e consegui diagnosticar que os grandes problemas do
atendimento à saúde em nosso País decorriam menos da atenção individual
médico-paciente e eram mais estruturais.
Como eu tinha muitos colegas e percebi que todos iriam fazer uma
especialidade médica, pensei: se eu for também um especialista, eu não
atuarei onde acho que está o problema, que é a estrutura. Assim,
precocemente, decidi por esse tipo de formação. Minha residência médica
já foi na área de gestão e também fiz administração depois de formado.
Acho que contribuo muito mais para a sociedade como um gestor do que se
fosse um especialista cuidando de corpos. Eu cuido de estruturas, de
políticas, de instituições para que elas possam refletir no atendimento
individual das pessoas.
Por Thaia Duó | Revista FH