quarta-feira, 20 de março de 2013

Balestrin relata a desorganização da gestão hospitalar

À frente do programa de afiliados da Anahp, cujo objetivo é elevar a qualidade assistencial, Balestrin combate a desorganização e a imaturidade da gestão hospitalar.


 Ainda estudante de Medicina, o presidente do conselho da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Francisco Balestrin, trocou a especialização clínica pela administração hospitalar pois, para ele, o grande problema da Saúde brasileira estava nas estruturas. Hoje, à frente do programa de afiliados da associação, cujo objetivo é elevar a qualidade assistencial, ele combate, justamente, esta questão: a desorganização e a imaturidade da gestão hospitalar.

Um dos principais desafios das instituições hospitalares ao implantar um processo de acreditação é o custo que isto acarreta. Talvez por isso apenas 200, dos 6,3 mil hospitais brasileiros, são acreditados.
“As organizações nacionais e a gestão hospitalar ainda são muito incipientes. As instituições são pouco organizadas, com um desperdício muito grande e, muitas vezes, sem foco na qualidade e na assistência” afirma o presidente do conselho da Anahp, Francisco Balestrin,  que para reverter esse cenário trabalha em um novo programa de incentivo à conquista de um selo de qualidade.

Balestrin ataca justamente as estruturas, o que para ele é o grande problema da saúde brasileira. Ainda durante o curso de medicina, o executivo diagnosticou que as dificuldades de atendimento à saúde no País decorriam menos da atenção individual médico-paciente e eram mais estruturais. Assim, percorreu precocemente o caminho administrativo e hoje apresenta propostas para ocupar um espaço estratégico de apoio à sociedade no sentido de encontrar uma saúde melhor.
Bem receptivo, Balestrin recebeu a Revista FH na sede da Anahp, em São Paulo.  Veja os principais trechos da entrevista, a seguir.

Quem

• Médico com residência  em Administração em Saúde no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
• Especialista em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP.
• Especialista em Administração Hospitalar pelo PROAHSA, da Escola de Administração de Empresas da FGV.
• Título de especialista em Administração em Saúde pela Associação Médica Brasileira – AMB e membro da Academia Brasileira de Administração Hospitalar – ABAH.
• Possui MBA em Gestão de Planos de Saúde

O que faz

• Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP)
• Presidente do Conselho Nacional de Gestão em Saúde da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares (FBAH)
• Vice-presidente da Rede VITA de Hospitais (Curitiba-PR e Volta Redonda- RJ)

Revista FH: A Anahp está com um novo programa de incentivo às acreditações dos hospitais. Conte um pouco sobre esta iniciativa.
 
Francisco Balestrin: Há alguns anos temos dentro da Anahp um modelo de gestão que é baseado em Governança Corporativa. Como resultado disso, em 2012 fizemos um grande trabalho de planejamento e definimos um conjunto de 15 marcos estratégicos. Conectado a isso, pensamos a abertura de um novo programa, onde a Anahp passa a ter os hospitais membros associados e os hospitais afiliados.

FH: Qual a diferença entre eles?
 
Balestrin: A diferença é que todos os hospitais precisam ter quatro características em comum para serem afiliados: serem privados com ou sem fins lucrativos; estarem inseridos no mercado da saúde suplementar brasileira; não ligados à operadora de saúde direta nem indiretamente; e, por fim, o mais importante e que mais elimina pretendentes, serem acreditados.
 
Só que o número de instituições no Brasil com todas essas características é pequeno, por isso achamos que deveríamos incentivar as instituições a entrarem na Anahp para conseguirem essas qualidades. Os hospitais afiliados agora terão de ter as três primeiras características citadas, mas não precisam ter acreditação. Na medida em que estiverem conosco serão incentivados a fazerem acreditação e a virarem nossos associados, tudo isso num prazo de quatro anos. Durante este período, eles poderão frequentar nossos seminários e grupos de trabalho, além de participar de todos os nossos projetos.

FH: Um dos principais desafios das instituições hospitalares ao implantar um processo de acreditação é o custo que isto acarreta. Como a Anahp ajudará neste aspecto?
Balestrin: Os hospitais brasileiros e a gestão hospitalar ainda são muito incipientes. As instituições 


são pouco organizadas, com um desperdício muito grande e, muitas vezes, sem foco na qualidade e na assistência social.  Elas não têm claramente qual é a missão institucional dos hospitais brasileiros. 
Não estou fazendo crítica, mas sim um diagnóstico. Montamos hospitais públicos ou privados para atender um conjunto de usuários ou muitas vezes para cumprir uma tradição circular. No caso público para atender necessidades hospitalares, ou no caso de instituições filantrópicas de atender uma visão institucional altruística. Assim, se acha que o altruísmo, que está na base de tudo, é o suficiente para se prover assistência de qualidade.  O Brasil tem algo em torno de 6,3 mil hospitais e apenas cerca de 200 deles acreditados. Nos Estados Unidos esse número é praticamente 100%.
 
Então, imagina, quando o hospital sai de uma fase não organizada e vai para uma acreditação ele traz para dentro dele três conteúdos. Um deles é a organização e, cá entre nós, existe muita “droga” no nosso País, como aqueles hospitais onde não há se quer um organograma. As coisas funcionam como se fosse uma feira livre. São instituições que não seguem as mínimas regulamentações existentes para estrutura hospitalar, para trabalho, não conhecem o formato que as instituições têm de ter. São entidades absolutamente focadas mais na entropia, que é exatamente o caminho da desorganização.
 
Os outros conteúdos englobam a abertura de um departamento e o mínimo de visão estratégica, de visão institucional, além de passar a conhecer melhor os seus processos. Elas passam a ter rotinas organizacionais e protocolos. Você sai de uma estrutura parecida com uma feira livre e vai para uma estrutura de hipermercado. Esse percurso é interessante. Você pega uma instituição incipiente e a transforma numa instituição competente. Essa competência lá no final tem que arredondar em três ações: na qualidade assistencial, na segurança do paciente e na sustentabilidade, principalmente na sustentabilidade econômico-financeira. Se ela não conseguir isso, nada vai acontecer.

FH: O que fazer para mudar este cenário?
 
Balestrin: O Brasil deveria estar quebrando facas para que todas as instituições fossem acreditadas. Quem mais precisa de acreditação no País são aqueles que menos vejo trabalhando para isso,  que são os hospitais públicos. Ninguém vê um incentivo do governo federal para melhorar a qualidade dos seus hospitais, ouve-se apenas falar em dinheiro. Mas recurso num ambiente desorganizado não adianta, absolutamente, nada. Você pode até com mais recurso de um lado estar causando mal, se a instituição for negativa do ponto de vista de qualidade você vai causar mais dano às pessoas, porque foram aplicados recursos que não terão retorno. Assim, a sustentabilidade do sistema público de saúde fica comprometida, por mais dinheiro que você aplique não terá resultado.

FH: Hoje o perfil do brasileiro mudou. Estamos diante de doentes crônicos e do aumento de expectativa de vida da população. A atenção hospitalar privada, cada vez mais, investe na alta especialização e em especialidades mais caras como oncologia, neurologia e etc. , mas dessa forma  nem sempre consegue cuidar de forma integral da saúde do paciente. Há um contrassenso?
 
Balestrin: Esse cenário é esperado para países desenvolvidos ligados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico(OCDE). Hoje como nós, de alguma forma, temos ilhas de desenvolvimento semelhante a países de primeiro mundo, também temos essas mesmas questões. Atualmente temos um conjunto de teses: de um lado as chamadas doenças crônicas e de outro ainda convivemos com as chamadas doenças agudas.
 
Temos acompanhado um desenvolvimento do nosso País naquilo que chamamos de envelhecimento da população, isso faz com que nos dias atuais tenhamos um percentual alto de cidadãos acima de 60 anos. Hoje isso está em torno de 4%, mas daqui a 20 anos isso vai dobrar, lembrando que nossa população é de 200 milhões.
 
Uma parte dessa sobrevida tem a ver com assistência médica, aliás, as principais condicionantes da saúde de um cidadão são a genética, as condições do meio ambiente onde vive e, generalizando, assistência médica hospitalar.  O menos importante é a assistência, mas hoje ela é definitiva, porque à medida que tenho patologia e doenças e consigo ser restabelecido eu vou vivendo mais, por outro lado existe recurso financeiro para sustentar isso. Na medicina suplementar é o nosso dinheiro, o recurso das empresas que está sustentando isso.  Na medicina pública quem tem de sustentar é o governo, mas lembre-se que o governo investe cada vez menos em saúde.
Entre os países da OCDE, o que menos investe em saúde aplica 76% de dinheiro público, 25% é verba privada. No Brasil 60% é privado e 40% é público. Tem cabimento num País de pobreza e diferença socioeconômico como o nosso, o governo aplicar menos dinheiro que o setor privado? Sendo que o privado coloca 60% para cuidar de uma população de 49 milhões de pessoas, enquanto o governo aplica 40% para cuidar de 150 milhões de pessoas. É um escárnio. É por isso que todos querem ter um plano de saúde. Acho que o aspecto das doenças crônicas precisa ser estudado, desenvolvido.

FH: Por um lado altos custos hospitalares, demanda por leitos e novos usuários da Saúde Suplementar. Por outro, hospitais querendo expandir, mas com poucas alternativas de buscar esses recursos devido à lei que proíbe os investimentos estrangeiros em hospitais. A mudança dessa lei transformaria este cenário?  Qual é a sua visão sobre a lei que permite a atuação do capital estrangeiro?
 
Balestrin: Cada vez mais precisamos de unidades de saúde para atender à população e, mais do que isso, de espaços com tecnologia de ponta, e no século 21 não dá para disponibilizar apenas martelinho e estetoscópio. A instalação de um equipamento hospitalar, sua tecnologia e depois a operação são caras. Aliás, a saúde é cara porque além de ter a influência da inflação geral, de novas tecnologias e fármacos, somam à inflação geral do País, a chamada inflação de saúde.
É verdade que existe uma vedação à constituição ao capital estrangeiro na assistência à saúde, mas em 1998 saiu a Lei 9.656, que admite o capital estrangeiro no setor de planos de saúde. É verdade também que falta capital para aquilo que existe de sobra em outros setores, como o de informática, aviação, hoteleiro. Esse é um componente, de fato falta capital estrangeiro, mas isso não é fundamental, porque falta também capital nacional no setor.
Se for pensar, o fundo de pensão de grandes estatais como a Petrobras, investe em shopping centers, em parques temáticos, em prédios, mas não investem em saúde. Em relação ao BNDES, existem um milhão de linhas para financiar a área de Citrosuco e não tem nada para saúde. O dinheiro brasileiro financia coqueteleira para hotel, mas não estetoscópio para um hospital. Não é paradoxal?

FH: Então, qual é a fonte de recurso hoje ?
 
Balestrin: A única fonte de recursos hoje é o empréstimo. E  ele, muitas vezes, não dá o mesmo retorno. Muitas instituições privadas estão em dificuldades financeiras, porque não tiveram estímulos nem recursos de grandes investidores, e muito menos recursos de bancos de fomento. É a história do cachorro correndo atrás do rabo. São entidades que têm problemas e dificuldades para pagar impostos, que ficam com a chamada ficha suja – pois não conseguem mais levantar recurso privado nem público, assim elas definham e acabam. O capital estrangeiro não resolverá esses problemas, pois eles querem empresas sadias e sem isso ele não virá. Mas acho que seria bom que o capital estrangeiro estivesse disponível para a saúde, assim como está para outros setores.

FH: Qual a sua opinião sobre o novo programa da ANS, que testará indicadores de qualidade dentro dos hospitais privados?
 
Balestrin: Esse programa, o Qualiss, tem dois eixos distintos: divulgação e indicadores. A partir do ano que vem, ou quando estiver estabelecido, o cidadão comum vai poder identificar os melhores hospitais. A ideia é apoderar o usuário para que ele faça escolhas melhores para si mesmo.  Com o Qualiss, ao lado do nome das instituições poderá ter até três ícones que serão dicas para as pessoas escolherem melhor – um será de acreditação; outros sobre a participação da instituição no programa Notivisa, da Anvisa, que significa que os hospitais indicam para à agência quaisquer eventos adversos; por último um símbolo representando que a entidade tem nota acima de corte dada pela ANS. Não vai ser só o cidadão que vai perceber isso, mas a operadora de saúde também, pois o usuário passará a exigir o melhor para ele. Isso vai fazer com que as próprias operadoras exijam que os hospitais credenciados tenham uma qualidade melhor.

FH: Tem um lado negativo?
 
Balestrin: São dois problemas. Um deles tem a ver com a validação das informações, porque elas são enviadas pelos hospitais, então para validar a instituição será preciso uma auditoria para não ter fraudes. Outro problema é que o Qualiss não é um selo de qualidade, por isso não pode ser considerado como tal de forma alguma.

FH: Recentemente, a ANS divulgou um acordo que possibilitará novos modelos de remuneração para a saúde suplementar.  No modelo proposto, o peso administrativo é menor, já que os itens frequentes em uma internação passam a ser cobrados de forma agrupada. Em sua opinião, essa resolução colocará um fim ao Fee for Service? Os hospitais estão preparados para atender esse novo modelo?
 
Balestrin: Existe uma tensão no ar sobre a capacidade que a sociedade tem de financiar o sistema de saúde brasileiro. No privado, a tensão se aflora no instante onde as operadoras passam a confrontar os seus custos com os hospitais e dizer: ‘nós não estamos conseguindo pagar o que vocês estão pedindo e, consequentemente, a gente não vai dar reajuste’. Ao mesmo tempo existe um saco de maldade já que as operadoras, às vezes, ao invés de discutirem isso frente a frente passam a produzir glosas, o atraso de pagamento e outras coisas. Do outro lado, os hospitais se sentem comprimidos e também criam seu saco de maldade em cima das operadoras, não tem nenhum bonzinho nessa história. Assim, os hospitais também produzem coisas que não deveriam, como o caso importante das órteses e próteses. É como colocar um nariz de palhaço e sair por aí, porque hoje os hospitais brasileiros, por conta de uma distorção que vem há 30 anos, têm a maior parte dos seus faturamentos – ou dos seus recursos – oriunda da comercialização de materiais e medicamentos, incluindo órteses e próteses. Esse modelo é de conflito, pois exige muita auditoria, muita discussão e, mais do que isso, não é um modelo que beneficia a meritocracia.
 
Com o novo modelo, queremos caminhar para um sistema onde exista menos discussão e mais  ações padronizadas, onde o mérito do atendimento e da atenção é levado em consideração, ou seja, se passa a medir junto os resultados econômicos- financeiros e os assistenciais.
Com isso eu digo: o Fee for service não vai sumir. Na realidade vamos ter uma migração de uma grande parte daquilo que é Fee for Service, que é quase 100%, para um outro tipo de visão.  Mesmo com Fee for Service se vai trabalhar com tabelas mais aprimoradas. Esperamos que esse modelo passe a ser minoria, apenas em casos onde não se tem previsibilidade, como um acidente. Mas para isso, as entidades precisam de sistemas de informatização, saber como funciona seu hospital, dominar seu corpo clínico, ter gestão clínica. E, claro, os hospitais não têm condições hoje de fazer isso, infelizmente.

FH: Quando esse novo modelo deve começar a funcionar?
Balestrin: Em 2014, vamos testar esse modelo num projeto piloto para ver se ele vai funcionar. Vamos fazer pareamentos entre hospitais ligados a prestadores de serviço de saúde e de outras operadoras. E vamos fazer o mesmo tipo de cobrança concomitantemente.
Enquanto isso, esperamos que os hospitais brasileiros prossigam nesse processo de medir o que fazem, de estruturação. Porque, senão, daqui um ano eles terão dificuldades de estar inseridos nesse modelo de remuneração.

FH: O que fez com que você escolhesse trilhar o caminho da administração em saúde?
Balestrin: Foi uma vocação de gestão. Durante meu curso de medicina aprendi e consegui diagnosticar que os grandes problemas do atendimento à saúde em nosso País decorriam menos da atenção individual médico-paciente e eram mais estruturais.
Como eu tinha muitos colegas e percebi que todos iriam fazer uma especialidade médica, pensei: se eu for também um especialista, eu não atuarei onde acho que está o problema, que é a estrutura. Assim, precocemente, decidi por esse tipo de formação. Minha residência médica já foi na área de gestão e também fiz administração depois de formado. Acho que contribuo muito mais para a sociedade como um gestor do que se fosse um especialista cuidando de corpos. Eu cuido de estruturas, de políticas, de instituições para que elas possam refletir no atendimento individual das pessoas.

Por Thaia Duó | Revista FH

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