Em debate, representantes do setor
concluem que o excesso de exames está ligado à má formação médica e à
pressão, muitas vezes, por parte do paciente e da indústria.
Como mudar o foco da doença para valores como promoção e prevenção,
sem que haja desequilíbrios de recursos, uma vez que o modelo brasileiro
ainda se sustenta com base na quantidade de procedimentos? A pergunta
norteou o IT Mídia Debate desta terça-feira (03/04), realizado na sede
da IT Mídia.
Partindo da constatação de que o envelhecimento da população, o
avanço da tecnologia e a importância da prevenção impulsionam cada vez
mais a demanda por exames de diagnósticos, representantes de diferentes
elos do setor dialogaram sobre as possíveis soluções para uma otimização
de recursos evitando, assim, o excesso de exames – fator este que, além
de onerar o sistema, pode prejudicar a saúde do paciente.
Apesar de não haver nenhum levantamento que mensure o real impacto
nos recursos de exames desnecessários, alguns fatores claramente
influenciam essa tendência como é o caso das dezenas de marcadores
lançados pela indústria farmacêutica todos os anos, que são
disponibilizados para a prática médica.
“Um médico mal informado e influenciado pelo marketing da indústria
com certeza vai começar a solicitar esse tal procedimento. É preciso
entender que sem evidências científicas não se deve solicitar exame de
laboratório, sobretudo quando não se sabe o que fazer com o resultado”,
enfatiza Wilson Shcolnik, diretor de Acreditação e Qualidade da
Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial
(SBPC/ML).
A mesa debatedora reforçou que os exames de diagnósticos são
importantes, no entanto, é preciso ter critérios clínicos para
solicitá-los, o que muitas vezes não acontece por falta de formação
médica adequada. Além disso, há também a pressão por parte do paciente,
hoje, munido de informações, principalmente, provenientes do Google ou
Dr. Google, como os executivos o apelidaram.
Saber dosar o limiar entre acesso e excesso é notadamente um grande
desafio para os gestores. “Quando se fala em promoção e prevenção em
saúde é preciso se acostumar a ouvir falar de exames normais. Muita
gente atribui isso a custos para a cadeia de saúde, esquecendo que na
verdade esses exames, na maioria das vezes, evitam outros custos que
seriam imputados ao sistema. O exame normal tem um valor e precisa ser
considerado. É claro que não estou falando em excesso, o que deve
prevalecer é a medicina baseada em evidencias”, considera Shcolnik.
Possíveis soluções
Muito se discute sobre qual caminho seguir, mas ainda não tem um
modelo de sucesso a ser copiado. De acordo com o diretor de patrimônio e
finanças da Associação Paulista de Medicina (APM), Murilo Rezende Melo,
só há uma certeza: não se pode tirar a autonomia do médico na hora de
solicitar exames.
Outros fatores foram largamente mencionados como setas indicativas
para o uso racional dos recursos nos serviços de diagnósticos que acaba
envolvendo diretamente médicos, pacientes, laboratórios e operadoras de
planos de saúde.
Foram eles: novo modelo de reembolso e remuneração, aplicação de
diretrizes clínicas – como as já existentes da Associação Médica
Brasileira (AMB) -, investimentos em Tecnologia da Informação (TI) no
sentido de integrar as informações, em educação continuada e programas
de qualidade e acreditação por parte dos laboratórios.
O presidente da Central Nacional Unimed, Mohamed Akl, “bateu na
tecla” da importância da educação médica, deixando claro que a questão
da remuneração não seja tão importante.
“O valor da consulta não é importante, pois se aumentar o valor por
atendimento o excesso de exames vai continuar existindo. Sabemos que 50
anos atrás o médico ficava 50 minutos com o paciente, tudo era analisado
e um ou outro exame era pedido. Hoje, pela disponibilidade de exames no
mercado é muito mais simples solicitar direto um pedido a dedicar
longos minutos com o doente. O problema maior é que o profissional da
saúde não se dá conta dos malefícios dessa ação”, diz Akl.
Segundo o executivo, entre 2008 e 2012 a Central Unimed aumentou sua
carteira de clientes em 64%, alcançando mais de um milhão de
beneficiários. Já o custo assistencial cresceu 130% – devido a altas
tecnologias e pedidos de exames sem critérios. “Em ano 2000 era 1,67
exames por beneficiário, atualmente este número é de 10, 86”.
Outra possibilidade levantada pela mesa foi a do paciente pagar uma
parte do exame solicitado. Entretanto, Melo, da APM, se posicionou
contra. “Isso nos preocupada, porque os tipos de planos de saúde que
mais cresceram são os mais baratos, considerados uma substituição do
SUS, que tem melhorado e consegue fazer muito com a falta de verba que
tem, mas não podemos penalizar o paciente”.
Grande desafio
O melhor modelo para evitar desperdício pode ainda não ter sido
descoberto pelo setor, mas enquanto isso a Alliar Medicina Diagnóstica
faz uso da educação continuada em cidades do interior do Brasil para
mostrar os lados positivos e negativos de se solicitar exames.
“Evitando excesso fazemos com que outras pessoas tenham acesso. Mas
como fazer isso é desafiador, por isso temos reuniões de educação
continuada. Não podemos achar que a entrada do PET, que é um exame caro,
por exemplo, vai resolver qualquer situação”, conta o diretor médico da
Alliar, Francisco Maciel Júnior.
Outra ação da companhia é atrair residentes de outras especialidades
que não a de diagnóstico por imagem para que tenham um melhor
conhecimento sobre exames solicitados.
*Com edição Verena Souza