Eis o desenho do problema: o Brasil
possui mais escolas de medicina que a China. No ranking mundial,
ocupamos a segunda colocação, atrás apenas da Índia, que possui
população seis vezes maior que a brasileira. Para chegar às atuais 197
faculdades de medicina – muitas delas de qualidade bastante questionável
–, o Brasil assistiu à proliferação aleatória de instituições de ensino
a partir da década de 90. De lá para cá, o aumento no número de escolas
foi de 137%, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Ainda de acordo com a entidade, o total de médicos que atua no País
atingiu quase 390 mil no final do ano passado, quantidade mais que
suficiente para atender a todos os brasileiros. Contudo, 73% deles estão
trabalhando nas regiões Sul e Sudeste. No Maranhão, por exemplo, existe
meio médico para cada mil habitantes, enquanto que no País como um
todo, este índice chega a dois profissionais para cada mil pessoas.
Para desmontar aquilo que alguns especialistas classificam como
“balcão de negócios” dos cursos de medicina e também para melhor
distribuir os profissionais pelo Brasil, o Ministério da Educação (MEC),
com auxílio de um estudo feito pelo Ministério da Saúde (MS), baixou,
no início de fevereiro, a Portaria nº 2/2013, que estabelece os novos
critérios para abertura de cursos de medicina e expansão do número de
vagas daqueles já existentes.
A regulamentação será utilizada para analisar a fila de 70 pedidos de
criação de novas escolas que está parada no MEC. O ministro da
Educação, Aloizio Mercadante, avisou que a maioria das solicitações
feitas será negada. Para futuros pedidos, outras diretrizes serão
publicadas pelo governo.
Os critérios listados na portaria levarão em conta a demanda social
por médicos em cada unidade da Federação, com base em dados atualizados
anualmente pelo MS. O Brasil é o quinto país do mundo em número absoluto
de médicos, que representam 19% dos que atuam nas Américas. Mas eles
estão mal distribuídos e poucos vão para o interior. A pior situação é a
da Região Norte (taxa de 0,9 médico por mil habitantes), seguida por
Nordeste (1,19) e Centro-Oeste (1,99). A melhor situação fica no Sudeste
(2,61) e Sul (2,03).
O MEC também observará a infraestrutura de equipamentos públicos e
programas de saúde existentes e disponíveis no município de oferta do
curso. Serão considerados, entre outros itens, o número de leitos
disponíveis por aluno — deve ser maior ou igual a cinco; o número de
alunos por equipe de atenção básica maior ou igual a três; existência de
leitos de urgência e pronto-socorro. A portaria também determina que a
avaliação do MEC para concessão da autorização depende da existência de
pelo menos três programas de residência médica nas especialidades
prioritárias (clínica médica; cirurgia; ginecologia-obstetrícia;
pediatria; medicina de família e comunidade).
O governo deverá lançar editais de chamamento para interessados em
implantar escolas de medicina em localidades definidas com base nos
critérios da nova regulamentação. Os vencedores das licitações poderão
ter acesso a recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) para financiarem os projetos.
A reportagem da Revista FH tentou por diversas vezes ouvir os
ministérios da Educação e da Saúde sobre a estratégia de
descentralização da assistência médica. Enquanto o MEC não respondeu as
perguntas enviadas por e-mail, o MS afirmou, por meio de sua assessoria
de imprensa, que somente se pronunciará depois que o estudo – aquele
mesmo utilizado pelo MEC para editar a portaria – estiver totalmente
finalizado.
Mercado de cursos
A intenção do governo em interromper a expansão de cursos de baixa qualidade foi muito bem recebida pela comunidade médica. Tanto o CFM, quanto o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), elogiaram a medida que cria barreiras para abertura de novas faculdades. O 1º secretário do CFM, Desiré Callegari, afirma que as instituições que não possuem corpo docente qualificado e não oferecem hospitais universitários devem sofrer restrições. “Queremos diminuir e até fechar faculdades que não ofereçam uma boa formação para o profissional”, opina.
O presidente do Cremesp, Renato Azevedo Junior, diz que a abertura de
cursos no Brasil funcionava como moeda de troca política de prefeitos,
deputados e senadores. “É muito forte o lobby que existe no Congresso
por parte das escolas privadas”, aponta. O médico se diz muito
preocupado com a qualidade dos cursos existentes. “Nos últimos 10 anos,
cresceu mais de 300% o número de processos por erro médico no Cremesp”,
conta. Apesar de classificar a nova portaria como um avanço, ele afirma
que o MEC deveria estar preocupado em fechar escolas de medicina.
Quem vai?
A criação de escolas de medicina em localidades carentes de médicos é vista pelos especialistas como uma equação bastante complexa. Para o diretor do curso de medicina da Faculdade Santa Casa de São Paulo, José Eduardo Dolci, “não se cria uma faculdade de medicina onde não existe nada”. Com isso, ele quer dizer que a infraestrutura da cidade que receberá a nova instituição precisa ter condições de atrair um corpo docente qualificado. “A escola de medicina é criada em função de um grupo de professores e médicos competentes que saibam e tenham desejo de ensinar”, opina.
Os fatores de fixação de médicos em determinadas regiões não passam
exclusivamente pela questão financeira. Dolci acredita que o conceito é
mais amplo e envolve outros componentes. “O médico vai procurar condição
de trabalho, reconhecimento, condições dignas para sua família viver e
salário, nesta ordem”, diz. Ele clama pelo plano de carreira médico como
uma alternativa. “O plano vai dar um salário digno e perspectiva de
vida, mas se não der condições de trabalho, o médico não irá para
lugares mais distantes”, avalia.
Callegari, do CFM, vê como uma incógnita se a criação de escolas de
medicina em localidades com deficiência de assistência fixará médicos
nestas regiões. Azevedo Junior, do Cremesp, ressalta que os
profissionais não atuam fora do eixo Sul-Sudeste por falta de condições
de trabalho.
390 mil médicos atuam no Brasil
73% deles estão trabalhando nas regiões Sul e Sudeste
73% deles estão trabalhando nas regiões Sul e Sudeste
2, 64 médicos por mil habitantes estão no estado de São Paulo
0,5 médico por mil habitantes no Maranhão
1, 95 médico por mil habitantes no interior de São Paulo
1, 95 médico por mil habitantes no interior de São Paulo
4,48 médicos por mil habitantes na capital paulista
Por Milton Leal | Especial para revista FH
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